quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Onipotência: atributo impossível

(revisado em fevereiro/10)

Segundo o Cristianismo e suas diversas correntes (incluindo o Espiritismo), Deus é definido como um ser onipotente (sinônimo de "todo-poderoso"), o que implica que ele pode fazer todas as coisas. Se isso for verdade, nada do que possamos imaginar é impossível para Deus. Neste caso, por exemplo, não poderia ser impossível para Deus fazer alguém voltar no tempo, ou fazer o tempo voltar e começar tudo de novo. Mesmo o que reputamos como absurdo, também não pode ser impossível. Logo, não seria absurdo, partindo do pressuposto da onipotência, imaginar que Deus não possa criar algumas fadas, duendes e unicórnios cor-de-rosa para habitarem nas florestas. Não poderia ser impossível para Deus, por exemplo, evitar todas as causas do sofrimento. Enfim, necessariamente, nada poderia ser impossível a Deus. Agora vou fazer alguns exercícios básicos de raciocínio, para ver se essa idéia sobrevive ao escrutínio.

Premissa básica: Deus é Todo-Poderoso. Consequência necessária: para ele nada é impossível.(esta premissa parte de outra premissa: a de que realmente existe um Criador)

Se Deus pode tudo, também pode se tornar limitado, logo, ele pode deixar de poder fazer tudo. Se Deus pode deixar de poder fazer tudo, ele deixa de poder voltar a ser onipotente, mas se ele puder voltar a ser onipotente, é porque nunca deixou de sê-lo. Se ele nunca deixou de ser onipotente, é porque não foi possível ele deixar de ser onipotente, mas se alguma coisa não lhe for possível, ele não pode ser onipotente. Pode Deus deixar de ser Deus e se transformar, para sempre, numa pedra? Em caso afirmativo, ele deixa de ser Deus porque se torna uma pedra e, consequentemente, é possível ele deixar de existir como Deus. Em caso negativo, ele não pode ser onipotente. Pode Deus tomar a decisão de somente ele, excluindo o universo, suas leis e criaturas, deixar de existir? Se sim, não precisamos de um Criador. Se não, não temos um Criador onipotente. Mas se temos um Criador e ele não é onipotente, isso implica que ele é limitado, finito. Como poderia o Criador ser limitado e ao mesmo tempo infinito? Poderia seu poder limitado durar eternamente e ele não ser onipotente? Se ele for finito não difere de nós, pois também somos limitados e finitos. Se ele for finito e nunca precisou de um criador, nós também não precisamos.

Selecionei um grupo de estudiosos dos mais diferentes segmentos, incluindo um agnóstico. No geral com exceção do agnóstico, as respostas enfatizavam a existência de dois aspectos distintos a serem considerados: o da vontade e o da possibilidade. Minhas reflexões estão centradas no aspecto da possibilidade.

Em uma das respostas que recebi por email, um teólogo argumentou ser possível embora não conveniente, para uma mãe dedicada e amorosa, estrangular seu bebezinho. Diante dessa ilustração, argumentou de forma semelhante em relação a Deus, desviando o raciocínio do campo da possibilidade para o campo da vontade. Com isso restringiu, mesmo sem essa intenção, o atributo da onipotência, o que veio a demonstrar a sua falta de sustentabilidade.

Com o Espiritismo ao que parece, existe essa mesma dificuldade. Ao tratar dos atributos divinos, Kardec argumenta, em A Gênese capítulo II, que "O fato do ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina mancha preta. Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade.(...)"

Será que estes argumentos também valeriam para a onipotência? Será que também podemos concluir, tomando como base o raciocínio de Kardec, que se houver alguma coisa que não seja possível a Deus, é porque ele não possui a qualidade de onipotência "no grau supremo", e consequentemente "não seria Deus", ou seja, não haveria Deus?

Se Kardec estiver certo no seu argumento, não há como chegar a outra conclusão.



Maurício C.P.