quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Onipotência: atributo impossível

(revisado em fevereiro/10)

Segundo o Cristianismo e suas diversas correntes (incluindo o Espiritismo), Deus é definido como um ser onipotente (sinônimo de "todo-poderoso"), o que implica que ele pode fazer todas as coisas. Se isso for verdade, nada do que possamos imaginar é impossível para Deus. Neste caso, por exemplo, não poderia ser impossível para Deus fazer alguém voltar no tempo, ou fazer o tempo voltar e começar tudo de novo. Mesmo o que reputamos como absurdo, também não pode ser impossível. Logo, não seria absurdo, partindo do pressuposto da onipotência, imaginar que Deus não possa criar algumas fadas, duendes e unicórnios cor-de-rosa para habitarem nas florestas. Não poderia ser impossível para Deus, por exemplo, evitar todas as causas do sofrimento. Enfim, necessariamente, nada poderia ser impossível a Deus. Agora vou fazer alguns exercícios básicos de raciocínio, para ver se essa idéia sobrevive ao escrutínio.

Premissa básica: Deus é Todo-Poderoso. Consequência necessária: para ele nada é impossível.(esta premissa parte de outra premissa: a de que realmente existe um Criador)

Se Deus pode tudo, também pode se tornar limitado, logo, ele pode deixar de poder fazer tudo. Se Deus pode deixar de poder fazer tudo, ele deixa de poder voltar a ser onipotente, mas se ele puder voltar a ser onipotente, é porque nunca deixou de sê-lo. Se ele nunca deixou de ser onipotente, é porque não foi possível ele deixar de ser onipotente, mas se alguma coisa não lhe for possível, ele não pode ser onipotente. Pode Deus deixar de ser Deus e se transformar, para sempre, numa pedra? Em caso afirmativo, ele deixa de ser Deus porque se torna uma pedra e, consequentemente, é possível ele deixar de existir como Deus. Em caso negativo, ele não pode ser onipotente. Pode Deus tomar a decisão de somente ele, excluindo o universo, suas leis e criaturas, deixar de existir? Se sim, não precisamos de um Criador. Se não, não temos um Criador onipotente. Mas se temos um Criador e ele não é onipotente, isso implica que ele é limitado, finito. Como poderia o Criador ser limitado e ao mesmo tempo infinito? Poderia seu poder limitado durar eternamente e ele não ser onipotente? Se ele for finito não difere de nós, pois também somos limitados e finitos. Se ele for finito e nunca precisou de um criador, nós também não precisamos.

Selecionei um grupo de estudiosos dos mais diferentes segmentos, incluindo um agnóstico. No geral com exceção do agnóstico, as respostas enfatizavam a existência de dois aspectos distintos a serem considerados: o da vontade e o da possibilidade. Minhas reflexões estão centradas no aspecto da possibilidade.

Em uma das respostas que recebi por email, um teólogo argumentou ser possível embora não conveniente, para uma mãe dedicada e amorosa, estrangular seu bebezinho. Diante dessa ilustração, argumentou de forma semelhante em relação a Deus, desviando o raciocínio do campo da possibilidade para o campo da vontade. Com isso restringiu, mesmo sem essa intenção, o atributo da onipotência, o que veio a demonstrar a sua falta de sustentabilidade.

Com o Espiritismo ao que parece, existe essa mesma dificuldade. Ao tratar dos atributos divinos, Kardec argumenta, em A Gênese capítulo II, que "O fato do ser infinita uma qualidade, exclui a possibilidade de uma qualidade contrária, porque esta a apoucaria ou anularia. Um ser infinitamente bom não poderia conter a mais insignificante parcela de malignidade, nem o ser infinitamente mau conter a mais insignificante parcela de bondade, do mesmo modo que um objeto não pode ser de um negro absoluto, com a mais ligeira nuança de branco, nem de um branco absoluto com a mais pequenina mancha preta. Deus, pois, não poderia ser simultaneamente bom e mau, porque então, não possuindo qualquer dessas duas qualidades no grau supremo, não seria Deus; todas as coisas estariam sujeitas ao seu capricho e para nenhuma haveria estabilidade.(...)"

Será que estes argumentos também valeriam para a onipotência? Será que também podemos concluir, tomando como base o raciocínio de Kardec, que se houver alguma coisa que não seja possível a Deus, é porque ele não possui a qualidade de onipotência "no grau supremo", e consequentemente "não seria Deus", ou seja, não haveria Deus?

Se Kardec estiver certo no seu argumento, não há como chegar a outra conclusão.



Maurício C.P.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Quem escreveu as leis da natureza?

Teísmo e Ateísmo

Argumento teísta

Do livro "Deus existe", de Antony Flew

Talvez o mais popular e intuitivamente plausível argumento pela existência de Deus é o assim chamado argumento do desígnio. De acordo com ele, o desígnio que se vê na natureza sugere a existência de um Planejador cósmico. Tenho freqüentemente dito que esse é de fato um argumento "da ordem para o desígnio", porque tais argumentos procedem da ordem percebida na natureza para mostrar a evidência de um plano e, assim, de um Planejador. Embora eu já tenha sido um ferrenho crítico do argumento do desígnio, passei a ver que, quando corretamente formulado, ele constitui uma defesa persuasiva da existência de Deus. Avanços em duas áreas em particular levaram-me a essa conclusão. A primeira é a questão da origem das leis da natureza e as idéias, a isso relacionadas, de importantes cientistas modernos. A segunda é a questão da origem da vida e a reprodução. O que quero dizer quando falo das leis da natureza? Por "lei", eu me refiro à regularidade ou simetria na natureza. Alguns exemplos, tirados de livros didáticos, podem ilustrar o que digo:

A lei de Boyle estipula que, dada uma temperatura constante, o produto do volume e da pressão de uma quantidade fixa de um gás ideal é constante.

De acordo com a primeira lei do movimento de Newton, um objeto em repouso permanecerá em repouso a menos que uma força externa atue sobre ele, e um objeto em movimento permanecerá em movimento a menos que uma força externa atue sobre ele.

De acordo com a lei de conservação da energia, a quantidade total de energia em um sistema isolado permanece constante.


O mais importante não é o fato de haver essas regularidades na natureza, mas sim que elas são matematicamente precisas, universais e interligadas. Einstein referiu-se a elas como "a razão encarnada". O que devemos perguntar é o que fez a natureza surgir do jeito que é. Essa, sem dúvida, é a pergunta que os cientistas, de Newton a Einstein e a Heisenberg, fizeram e para a qual encontraram a resposta. Essa resposta foi: a Mente de Deus.

Esse modo de pensar não é encontrado apenas nos conhecidos cientistas teístas pré-modernos, como Isaac Newton e James Maxwell. Pelo contrário, muitos importantes cientistas da era moderna consideram as leis da natureza pensamentos da Mente de Deus. Stephen Hawking termina seu best seller Uma breve história do tempo com a seguinte passagem:


Se descobrirmos uma teoria completa, ela terá de ser compreendida por todas as pessoas, não apenas por alguns cientistas. Então nós todos, filósofos, cientistas e pessoas comuns, devemos ser capazes de participar da discussão sobre o motivo de nós e o universo existirmos. Se encontrarmos a resposta, esse será o supremo triunfo da razão humana, porque, então, conheceremos a mente de Deus.


Mesmo que haja uma única, unificada teoria, ela será apenas um conjunto de regras e equações. Pergunto: o que dá vida às equações e cria um universo para que elas o descrevam?

Hawking disse mais sobre isso em entrevistas posteriores. "O que causa maior impressão é a ordem. Quanto mais descobrimos sobre o universo, mais vemos que ele é governado por leis racionais." "E uma pergunta continua: por que o universo dá-se ao trabalho de existir? Se quiserem, vocês podem definir Deus como a resposta para essa pergunta."

Quem escreveu todos aqueles livros?

Muito antes de Hawking, Einstein usava linguagem similar: "Quero saber como Deus criou este mundo. Quero conhecer Seus pensamentos, o resto são detalhes". Em meu livro God and Philosophy, eu disse que não podemos tirar muita coisa desses trechos, porque Einstein dissera que acreditava no Deus de Spinoza. Como, para Baruch Spinoza, as palavras "Deus" e "natureza" eram sinônimos, poderíamos dizer que Einstein, aos olhos do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, era inequivocamente um ateísta e "pai espiritual de todos os ateístas".

Mas o livro recente, Einstein e a religião; física e teologia, de Max Jammer, um dos amigos de Einstein, pinta um quadro muito diferente da influência de Spinoza e das próprias crenças de Einstein. Jammer mostra que o conhecimento que Einstein tinha de Spinoza era bastante limitado, que dele lera apenas Ética e que rejeitara repetidos convites para escrever sobre sua filosofia. Em resposta a um desses convites, ele replicou: "Não tenho conhecimento profissional suficiente para escrever um artigo sobre Spinoza". Embora Einstein compartilhasse a crença de Spinoza em determinismo, Jammer afirma que é "artificial e infundado" presumir que o pensamento de Spinoza influenciou a ciência de Einstein". Jammer observa ainda que "Einstein tinha afinidade com Spinoza porque percebia que ambos sentiam necessidade de solidão e também pelo fato de terem sido criados na tradição judaica e mais tarde abandonado a religião de seus ancestrais".

Mesmo chamando atenção para o panteísmo de Spinoza, Einstein expressamente negava ser ateísta ou panteísta:


Não sou ateísta, e não acho que posso me chamar de panteísta. Estamos na situação de uma criança que entra em uma enorme biblioteca cheia de livros escritos em muitas línguas. A criança sabe que alguém escrevera aqueles livros, mas não sabe como. Não entende os idiomas nos quais eles foram escritos. Suspeita vagamente que os livros estão arranjados em uma ordem misteriosa, que ela não compreende. Isso, me parece, é a atitude dos seres humanos, até dos mais inteligentes, em relação a Deus. Vemos o universo maravilhosamente arranjado e obedecendo a certas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente. Nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações. (Grifo acrescentado.)


No livro Deus: um delírio, Richard Dawkins fala de minha antiga opinião de que Einstein era ateísta. Fazendo isso, ignora a declaração categórica de Einstein, citada acima, de que ele não era ateísta, nem panteísta. Isso é surpreendente, porque Dawkins cita Jammer, mas deixa de fora numerosas declarações, tanto de Jammer como de Einstein, que são fatais para seu argumento. Jammer observa, por exemplo, que "Einstein sempre protestou contra o fato de ser visto como ateísta. Em uma conversa com o príncipe Hubertus de Lowenstein, ele declarou que ficava zangado com pessoas que não acreditavam em Deus e o citavam para corroborar suas idéias. Einstein repudiou o ateísmo porque nunca viu sua negação de um deus personificado como uma negação de Deus".

Einstein, naturalmente, não acreditava em um Deus personificado, mas disse:


Uma outra questão é a contestação da crença em um Deus personificado. Freud endossou essa idéia em sua última publicação. Eu próprio nunca assumiria tal tarefa, porque tal crença me parece preferível à falta de qualquer visão transcendental da vida, e imagino se seria possível dar-se, à maioria da humanidade, um meio mais sublime de satisfazer suas necessidades metafísicas.


"Resumindo", conclui Jammer, "Einstein, como Maimônides e Spinoza, categoricamente rejeitava qualquer antropomorfismo no pensamento religioso". Mas, diferentemente de Spinoza, que via na identificação de Deus com a natureza a única conseqüência lógica da negação de um Deus personificado, Einstein sustentava que Deus se manifesta "nas leis do universo como um espírito infinitamente superior ao espírito do homem, diante do qual nós, com nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes". Einstein concordava com Spinoza na idéia de que quem conhece a natureza conhece Deus, não porque a natureza seja Deus, mas porque a busca da ciência, estudando a natureza, leva à religião.

A "mente superior" de Einstein

Einstein obviamente acreditava em uma fonte transcendental da racionalidade do mundo, que ele chamava de "mente superior", "espírito superior infinito", "força inteligente superior" e "força misteriosa que move as constelações". Isso fica evidente em várias de suas declarações:


Nunca encontrei uma expressão melhor do que "religiosa" para definir a confiança na racional natureza da realidade e de sua peculiar acessibilidade à mente humana. Onde não há essa confiança, a ciência degenera, tornando-se um procedimento sem inspiração. Se os sacerdotes lucram com isso, que o diabo cuide do assunto. Não há remédio para isso.


Quem quer que tenha passado pela intensa experiência de conhecer bem-sucedidos avanços nesta área (ciência) é movido por profunda reverência pela racionalidade que se manifesta em existência... a grandeza da razão encarnada em existência.


O certo é que a convicção, semelhante ao sentimento religioso, da racionalidade ou inteligibilidade do mundo, está por trás de todo trabalho científico de uma ordem superior. Essa crença firme em uma mente superior que se revela no mundo da experiência, ligada a profundo sentimento, representa minha concepção de Deus.


Todos os que seriamente se empenham na busca da ciência convencem-se de que as leis da natureza manifestam a existência de um espírito imensamente superior ao do homem, diante do qual nós, com nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes.


Minha religiosidade consiste de uma humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela nos pequenos detalhes que podemos perceber com nossa mente frágil. Essa convicção profundamente emocional da presença de um poder racional superior, que é revelado no incompreensível universo, forma minha idéia de Deus.

Saltos quânticos na direção de Deus

Einstein, descobridor da relatividade, não foi o único grande cientista que viu uma conexão entre as leis da natureza e a Mente de Deus. Os pais da física quântica, outra grande descoberta científica dos tempos modernos, Max Planck, Werner Heisenberg, Erwin Schrödinger e Paul Dirac, também fizeram declarações similares, e abaixo reproduzo algumas delas.

Werner Heisenberg, famoso por seu princípio da incerteza e pela mecânica das matrizes, disse: "No decorrer de minha vida, vejo-me freqüentemente compelido a refletir sobre o relacionamento dessas duas áreas de pensamento (ciência e religião), porque nunca pude duvidar da realidade daquilo para o que elas apontam". Em outra ocasião, ele disse:


Wolfang (Pauli) me perguntou de modo inesperado: Você acredita em um Deus personificado? Perguntei se podia reformular a pergunta, dizendo que preferia fazê-la da seguinte maneira: você, ou qualquer outra pessoa, pode chegar à ordem central de coisas e acontecimentos cuja existência parece estar além da dúvida tão diretamente quanto pode alcançar a alma de outra pessoa? Estou usando o termo alma deliberadamente, para não ser mal-compreendido. Se fizer sua pergunta dessa forma, eu direi que sim. Se a força magnética que tem guiado essa bússola especial — e qual mais poderia ser sua fonte, a não ser a ordem central? — se extinguisse, coisas terríveis aconteceriam à humanidade, muito mais terríveis do que campos de concentração e bombas atômicas.


Outro pioneiro da física quântica, Erwin Schrödinger, que desenvolveu a mecânica ondulatória, declarou:


O quadro científico do mundo a minha volta é muito deficiente. Ele me dá muitas informações factuais, põe toda nossa experiência em uma ordem magnificamente coerente, mas mantém um horrível silêncio sobre tudo o que é caro ao nosso coração, o que é realmente importante para nós. Esse quadro não me diz uma palavra sobre a sensação de vermelho ou azul, amargo e doce, sentimentos de alegria e tristeza. Não sabe nada de beleza e fealdade, de bom e de mau, de Deus e de eternidade. A ciência, às vezes, finge responder a essas perguntas, mas suas respostas, quase sempre, são tão tolas que não podemos aceitá-las seriamente. A ciência é reticente também quando se trata de uma pergunta sobre a grande Unidade da qual nós, de alguma forma, fazemos parte, à qual pertencemos. Agora, em nosso tempo, o nome mais popular para isso é Deus, com D maiúsculo. A ciência tem sido, costumeiramente, rotulada de ateísta e, depois de tudo o que já dissemos, isso não é de surpreender. Se o quadro do mundo da ciência não contém beleza, alegria, tristeza, se personalidade foi eliminada dele, por comum acordo, como poderia conter a idéia mais sublime que se apresenta à mente humana?


Max Planck, que foi o primeiro a introduzir a hipótese quântica, sustentou claramente que a ciência complementa a religião, declarando que "nunca poderá haver um real antagonismo entre religião e ciência, porque uma é o complemento da outra". Ele também disse que "a religião e a ciência natural estão lutando juntas numa cruzada sem trégua contra o ceticismo e o dogmatismo, contra a descrença e a superstição, e, assim, a favor de Deus!".

Paul A. M. Durac, que complementou o trabalho de Heisenberg e Schrödinger com uma terceira formulação da teoria quântica, observou que "Deus é um matemático de altíssima categoria, que usou matemática avançada para construir o universo".

Antes desses cientistas, Charles Darwin já expressara uma opinião semelhante:


A razão me fala da extrema dificuldade, ou melhor, da impossibilidade de concebermos a idéia de que esse imenso e maravilhoso universo, incluindo o homem com sua capacidade de olhar para o passado distante e para o futuro remoto, foi resultado de acaso cego. Assim refletindo, sinto-me compelido a procurar uma Primeira Causa com mente inteligente, análoga, de certo modo, àquela do homem. Mereço ser chamado de teísta.


Essa linha de pensamento é mantida viva nos escritos de muitos dos mais importantes cientistas de hoje, como Paul Davies, John Barrow, John Polkinghorne, Freeman Dyson, Francis Collins, Owen Gingerich, Roger Penrose, e filósofos da ciência, como Richard Swinburne e John Leslie.

Davies e Barrow, em particular, têm desenvolvido em teorias as idéias de Einstein, de Heisenberg e outros cientistas a respeito da relação entre a racionalidade da natureza e a Mente de Deus. Ambos receberam o prêmio Templeton por suas contribuições a esse estudo. Suas obras corrigem muitas concepções errôneas à medida que lançam luz sobre os assuntos discutidos aqui.

Leis de quem?

No discurso que fez na entrega do prêmio Templeton, Paul Davies disse que "a ciência só progredirá se os cientistas adotarem uma visão do mundo essencialmente teológica". Ninguém pergunta de onde vieram as leis da física, mas "mesmo os cientistas mais ateus aceitam, como um ato de fé, a existência de uma ordem na natureza que obedece a leis e é, pelo menos parcialmente, compreensível para nós". Davies rejeita duas comuns idéias errôneas. Diz que é errada a idéia de que uma "teoria de tudo" — teoria hipotética que unificaria todos os fenômenos físicos — mostraria que este é o único mundo logicamente consistente, e que isso pode ser demonstrado, porque não há nenhuma prova de que o universo é logicamente necessário, e na verdade é possível imaginar universos alternativos que sejam logicamente consistentes. Davies diz também que é uma "tolice completa" supor-se que as leis da física são leis nossas, não da natureza. Os físicos não podem acreditar que a lei da gravitação de Newton seja uma criação cultural. As leis da física "realmente existem", declara Davies, e o trabalho dos cientistas é descobri-las, não inventá-las.

Ele chama atenção para o fato de que as leis da natureza por trás dos fenômenos não são descobertas por meio de observação direta, mas reveladas por experiência e teoria matemática. Essas leis são escritas num código cósmico que os cientistas devem decifrar a fim de que seja revelada a mensagem que é "a mensagem da natureza, a mensagem de Deus — a escolha do termo é sua —, mas não nossa mensagem".

A questão principal, diz Davies, é dividida em três partes:


De onde vêm as leis da física?

Por que temos essas determinadas leis, em vez de um conjunto de outras?

Como explicamos o fato de que temos um conjunto de leis que dão vida a gases sem traços característicos, consciência ou inteligência?


Essas leis "parecem quase planejadas — funcionando em perfeita harmonia, como dizem alguns comentaristas — para que a vida e a consciência possam emergir". Ele conclui, dizendo que essa "natureza planejada da existência física é fantástica demais para que eu a aceite como um simples fato. Ela aponta para um significado fundamental e mais profundo da existência". Palavras como "propósito" e "planejamento", ele diz, captam apenas de modo imperfeito o porquê do universo. "Mas existe um porquê, disso não tenho a menor dúvida."

John Barrow, em seu discurso na fundação Templeton, observa que a complexidade infinita e a perfeita estrutura do universo são governadas por algumas leis simples, simétricas e inteligíveis. "Existem equações matemáticas, que parecem meros rabiscos num papel, que nos dizem como universos inteiros se comportam." Como Davies, ele descarta a idéia de que a ordem do universo é imposta por nossa mente. "A seleção natural não requer a compreensão de quarks e buracos negros para nossa sobrevivência e multiplicação."

Barrow observa que, na história da ciência, novas teorias ampliam e incluem teorias antigas. Embora a teoria da mecânica de Newton tenha sido substituída pela de Einstein — e poderá ser substituída por alguma outra no futuro —, daqui a mil anos engenheiros ainda recorrerão às teorias de Newton. Do mesmo modo, Barrow diz, as concepções religiosas a respeito do universo também usam aproximações e analogias para facilitar a compreensão de coisas novas. "Elas não são toda a verdade, mas isso não impede que sejam parte da verdade."

O divino legislador

Alguns filósofos escreveram também sobre a divina procedência das leis da natureza. Em seu livro The Divine Lawmaker: Lectures on Induction, Laws of Nature and the Existence of God, o filósofo de Oxford, John Foster, defende que a melhor explicação para a regularidade da natureza, seja como for que a descrevamos, é uma Mente divina. Se aceitamos o fato de que há leis, então temos de aceitar que existe alguma coisa que impõe essa regularidade ao universo. Mas o que é a impõe? Foster sustenta que a opção teísta é a única séria, de modo que "é racionalmente justificada nossa conclusão de que é Deus — o Deus explicado pelos teístas — que cria as leis, impondo as regularidades ao mundo". Mesmo se negarmos a existência de leis, ele argumenta, "há um forte argumento a favor da explicação de que as regularidades são da autoria de Deus".

Swinburne faz uma observação semelhante numa resposta à crítica feita por Dawkins ao seu argumento do desígnio:


O que é uma lei da natureza? (Nenhum de meus críticos enfrentou essa questão.) Dizer que é uma lei da natureza que todos os corpos se comportem de certa maneira — por exemplo, atraem-se mutuamente de acordo com certa fórmula — é, eu sugiro, dizer apenas que cada corpo físico comporta-se assim, isto é, atrai cada corpo dessa maneira. É mais simples supor que essa uniformidade surge da ação de uma substância que faz com que todos comportem-se da mesma maneira do que supor que o comportamento uniforme de todos os corpos é um fato irracional e final.


O principal argumento de Swinburne é que um Deus personificado com as qualidades tradicionais explica melhor a operação das leis da natureza.

Richard Dawkins rejeitou esse argumento, dizendo que Deus é uma solução muito complexa para explicar o universo e suas leis. Parece-me bizarra essa declaração a respeito do conceito de um Ser espiritual onipotente. O que há de complexo na idéia de um Espírito onisciente e onipotente, uma idéia tão simples que é compreendida por todos os seguidores das três maiores religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo? Alvin Plantinga recentemente observou que, pela própria definição de Dawkins, Deus é simples, não complexo, porque é um espírito, não um objeto material e que, portanto, não tem várias partes.

Retornando a minha parábola do telefone via satélite do capítulo anterior, as leis da natureza são um problema para os ateístas porque elas são uma voz de racionalidade ouvida pelos mecanismos da matéria. "A ciência baseia-se na suposição de que o universo é meticulosamente racional e lógico em todos os níveis", escreve Paul Davies, comprovadamente o mais influente expositor contemporâneo da ciência moderna. "Os ateístas alegam que as leis da natureza existem sem nenhuma razão, e que o universo é, em última análise, absurdo. Como cientista, acho difícil aceitar isso. Tem de haver um solo firme e racional onde está enraizada a ordenada e lógica natureza do universo."

Esses cientistas que apontam para a Mente de Deus não apenas adiantam-se na apresentação de uma série de argumentos, ou de um processo de raciocínio silogístico, como propõem uma visão da realidade que emerge do centro conceitual da ciência moderna e impõe-se à mente racional. E uma visão que eu, pessoalmente, considero não só convincente como irrefutável.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pai, você acredita que Deus existe?

Meu filho mais velho que hoje tem 12 anos me fez essa pergunta ontem à tarde. Se você estivesse em meu lugar, como você responderia? Se você deseja que seu filho aprenda a questionar e esteja imunizado contra uma possível “lavagem cerebral”, qual seria a melhor forma de responder a essa pergunta?

Vou dizer como respondi a essa pergunta. Foi a melhor forma que encontrei para respondê-la. Pode perfeitamente não ser a melhor abordagem para este caso, mas foi a que me ocorreu naquele momento. Eu disse a ele que não tinha cem por cento de certeza, mas achava bem provável que existisse uma espécie de ENTE SUPERIOR. Isso não quer dizer que o Deus pregado nas igrejas seja esse SER ou INTELIGÊNCIA SUPERIOR. Isso não quer dizer que tenhamos condições de saber como este SER ou INTELIGÊNCIA SUPERIOR deveria ser. Ele pode não existir, mas também pode existir e não ser como esperamos ou como desejamos. Então, antes de perguntarmos se Deus existe, cabe uma questão mais importante: o que é Deus? Sobre qual definição devemos divagar se ele existe ou não existe? Tarefa difícil. Achei melhor responder em termos de “mais provável” ou “menos provável”, sem deixar de lembrar que isso também pode estar sujeito mais à minha vontade de que ele exista do que a uma análise fria e imparcial do assunto. Muitos dizem ter certeza absoluta de sua existência, mas os argumentos que utilizam são superficiais e não nos permitem ter essa certeza. No meu caso, prefiro assumir que eu desejo que ele exista e que seja diferente daquela caricatura grosseira apresentada nos livros “sagrados”. Achei melhor abrir o jogo e dizer o que eu realmente penso ao meu filho. Depois conversamos sobre o céu, sobre o inferno, sobre demônios, sobre espíritos, naquela tarde tranqüila de domingo que foi o dia de ontem. Quero que meu filho seja totalmente livre para acreditar ou não em alguma coisa, e a única forma de ele ser totalmente livre é entendendo o PORQUÊ de acreditar em alguma coisa. Não há como ele entender o porquê de suas possíveis crenças se ele não tiver coragem para questionar, seriamente, até as coisas aparentemente mais inquestionáveis. Acredito que somente assim ele estará mais imunizado contra as crendices, as superstições e o charlatanismo que pululam e se acotovelam em nossos dias atuais, somente assim ele estará mais preparado para o futuro.

Ao meu filho, com amor.


Maurício C.P.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Hebreus 9 e a propaganda antiespírita

O tiro interpretativo que sai pela culatra

Vamos ao ponto: “E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo,...” (Hb. 9,27)

Os anos passam e sempre que num debate o tema é reencarnação na Bíblia, cedo ou tarde surge o famoso texto dessa questionável epístola, escrita aos hebreus. A manobra é previsível, vinda de católicos e protestantes inexperientes, quanto maior a inexperiência, maior a confiança em torno dessa passagem. Sacam dela como um hábil jogador que retira seu curinga escondido, e para escaparem de qualquer outro questionamento, usam-na como a fortaleza inexpugnável, o tiro de misericórdia contra a reencarnação, e dentre católicos e protestantes, há os que fazem isso com a emoção de quem pensa estar redescobrindo a América. Alguns neófitos mais empolgados, sentenciam que essa passagem é um problema insolúvel aos espíritas. E seria mesmo um grande problema, se o espírita julgasse a Bíblia infalível e inerrante de capa-a-capa, e não usasse a regra do “Examinai tudo. Retende o bem” (I Ts.5,21).

Diante tanto alarde em torno deste "argumento", seria injusto não emprestarmos um pouco de nossa atenção e reflexão a essa passagem. Iremos, portanto, analisá-la e submetê-la a todas as conseqüências para vermos se ela é, realmente, tão preocupante quanto se esforça por propagar a preocupada propaganda antiespírita.

Em primeiro lugar, e antes de qualquer outra coisa, precisamos saber quem é o seu autor. Se pesquisarmos sobre a autoria, o máximo que saberemos é que até hoje os estudiosos alinharam vários candidatos, mas ainda não chegaram a um acordo. Podemos comprovar isso de modo muito simples, e sem precisar ir a uma Biblioteca Pública ou Centro Cultural ou Faculdade de Teologia (embora eu também recomende esses meios), basta entrar em qualquer mecanismo de busca da Internet e digitar as palavras “autoria de Hebreus”. No caso do Google (http://www.google.com.br/), por exemplo, se assim fizermos podemos encontrar aproximadamente 116 mil referências de sites, muitos contendo estudos e monografias diversas, todas elas admitindo a inescapável falta de unanimidade entre os estudiosos, sobre a autoria de Hebreus. Essa dúvida permeia mesmo entre os que defendem Paulo, ou Apolo, ou Lucas, ou Barnabé ou algum outro candidato específico, como o mais provável autor inspirado da epístola. Podemos encontrar trechos do tipo:

Hebreus não designa seu autor, e não existe unanimidade de tradição em relação à sua identidade. Alguns sábios destacam algumas evidências que podem indicar uma autoria paulina, enquanto outros sugerem que um dos colaboradores de Paulo, como Barnabé ou Apolo, podem ter escrito o livro. A especulação provou-se infrutífera, e a melhor conclusão pode ser a de Orígenes, no séc. III, que declarava que só Deus sabe ao certo quem o escreveu.

Possibilidades na Autoria de Hebreus

O autor de Hebreus não se identificou pelo nome, no livro...

De fato, a autoria de Hebreus é, até hoje, assunto de discussão entre os peritos. Nunca se provou ter sido escrita por Paulo e nem tem o estilo dele. ...

Neste site católico, por exemplo:

AUTOR, LOCAL E DATA São igualmente imprecisos o autor, o local e a data da sua composição. As Igrejas do Oriente consideraram-na sempre como uma Carta paulina, apesar de muitos reconhecerem as suas diferenças em relação às outras Cartas de Paulo, sobretudo no que se refere à forma literária, à linguagem e estilo, à maneira de citar o AT e mesmo quanto à doutrina. A Igreja do Ocidente negou-lhe a autoria paulina até ao séc. IV e pôs, por vezes, em questão a sua condição de escrito inspirado e canônico.

A questão continuou controversa ao longo da história da exegese católica e protestante, mas actualmente é quase unânime a negação da autenticidade paulina.
Fonte: http://www.paroquias.org/biblia/?m=11

A importância de sabermos o autor está diretamente ligada ao que ele diz e às suas implicações. Vejamos o que ele diz:

1. “aos homens está ordenado morrerem uma vez”
2. “,vindo depois disso o juízo,...”

Independente do que se diga antes ou depois, o fato é que o trecho faz afirmações muito claras, suficientes para já chegarmos a algumas conclusões. Pra começar, o texto diz “ordenado”, e quem ordenou? Seja quem for, essa ordem diz que o homem só morre uma vez, sendo assim, ela nega que o homem possa morrer várias vezes e, conseqüentemente, nascer várias vezes, ou seja, ela realmente nega a reencarnação. Por outro lado, que um homem ressuscite e volte a morrer, ela também o está negando categoricamente. Então, se alguém quiser aceitar a “ordem” para negar a reencarnação, também terá que aceitá-la para negar as ressurreições, as quais, segundo autores bíblicos, teriam sido operadas por Jesus. Se a ignorarmos sob um dos aspectos, perdemos a força moral para tentar reforçar o outro, a título de “trampolim de acusação”, e isso abre precedentes para seguramente a ignorarmos também sob o outro aspecto. Se os que objetam contra a reencarnação, ignoram solenemente essa passagem, sempre que sua ênfase atinge outros textos que tratam de ressurreições, operadas por Jesus, por que não temos nós o mesmo direito de julgá-la, compará-la e, eventualmente, também ignorá-la? Se a encaramos com suspeita é porque, biblicamente, Jesus demonstrou ignorar por completo a existência dessa “ordem”, seja ao ressuscitar pessoas, seja ao ensinar a reencarnação. A crença de Jesus na reencarnação, segundo a mesma Bíblia, é algo que se fez revelado a poucos, tornando-se mais clara nessas passagens:

“E, se quereis dar crédito, João é o Elias que havia de vir. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.” (Mt.11,14-15)

“E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas; Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que lhes falara de João o Batista.” (Mt. 17,11-13)

Conforme diz o texto, Jesus não esperou que todos fossem entender e aceitar, e somente três desses discípulos, tempos mais tarde, chegaram finalmente a entender que aquele mesmo Elias transfigurado já havia sido encarnado e desencarnado, tendo vindo e já cumprido a profecia, sob a identidade de João Batista. É fato incontestável, portanto, que Jesus ignorou que existisse a “ordem” de morrer uma vez ao revelar sobre a vinda de Elias, posto que, para ser João Batista, este teria que morrer outra vez. Também é fato constatado que o autor de hebreus, seja lá quem for, ensinou claramente o contrário. Temos, inelutavelmente, duas opiniões que divergem. Uma de um autor desconhecido, outra de Jesus. Jesus, muito sábio e prudente, tomou o cuidado de advertir que o discípulo não pode querer ser mais do que o mestre:

“Não é o discípulo mais do que o seu mestre, nem o servo mais do que o seu senhor.”(Mt.10,24)

Se ele enfatizou esse princípio, é porque julgava possível que isso pudesse acontecer. Se na pior das hipóteses, o discípulo apenas ensinar alguma coisa que de alguma forma diverge ou contradiz seu mestre, é recomendável, segundo o método de Jesus, que dediquemos nosso crédito ao mestre.

O autor da epístola aos hebreus, desconhecido até o momento, realmente negou a reencarnação, conforme estamos verificando, e com essa mesma força, também negou outras coisas. Não podemos e nem devemos omitir esses fatos. Podemos sim é ir em busca de um ponto neutro, e para isso, para sermos realmente imparciais, ou iremos aceitar o que ele diz na íntegra, ou iremos rejeitar também na íntegra. Não há como ficar no meio termo. Qualquer uma das decisões, naturalmente, traz a sua carga relativa de razões e implicações, e delas, seus responsáveis jamais poderão se esquivar.

Não penso que para o Espiritismo, a autoridade de Jesus deva ser submetida ao entendimento de quaisquer de seus discípulos, se este entendimento for contrário ao dele em algum ponto. Ao espírita estudioso, portanto, sobejam razões à prova de escrutínio para rejeitarem a autoridade de um desconhecido ou seja lá quem for, em detrimento da autoridade maior de Jesus, aquele que, segundo o Espiritismo, é e sempre foi o grande Rabi e maior exemplo de perfeição a que a humanidade pode aspirar.



Maurício C.P.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Imbassahy e o Cristianismo

Na categoria de críticos do Espiritismo, há os que não escondem o seu odium theologicum e adoram recorrer a uma conhecida frase do saudoso polemista e autor espírita Carlos Imbassahy. Vejamos abaixo:

"O Espiritismo não é um ramo do Cristianismo como as demais seitas cristãs. Não assenta seus princípios nas Escrituras... a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome - Espiritismo" (À Margem do Espiritismo, p. 126).

De acordo com esses críticos, o autor citado seria uma espécie de “espírita coerente”, ao contrário de outros, por admitir que o Espiritismo não é Cristão por não ser um ramo deste e não se basear nas Escrituras. Mas se observarmos com um pouco de atenção, veremos o contrário desta idéia. Em primeiro lugar, ao comparar o Espiritismo com as “demais seitas cristãs”, ele admite tacitamente que o primeiro também seja uma seita cristã. Em segundo lugar, também fica implícito que para ser considerado “seita cristã”, não é preciso assentar os seus princípios nas Escrituras. Isso justifica por que o Espiritismo não é como as demais. Ele tem um diferencial, e este diferencial está em sua abordagem das Escrituras. Mas para ser cristão, o ensino dos espíritos não precisa necessariamente ser cristão? É claro que sim. Resta-nos saber se o autor supracitado também pensa assim, e se isso está de acordo com os parâmetros da Codificação. Vejamos se assim procede. Para isso, vamos colher a opinião do Imbassahy e do Codificador do Espiritismo, Allan Kardec.

Já que o objetivo de nossos críticos, ao citar a frase, está centrado na opinião de um autor espírita, nada melhor do que saber o que eles pensam sobre isso. Vamos à pergunta básica.

Segundo Kardec, é cristão o "ensino dos espíritos"?
As respostas estão abaixo: (os destaques são meus)

Da Revista Espírita, 1858: "O ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apóia-se sobre a imortalidade da alma, as penas e as recompensas futuras, o livre arbítrio do homem, a moral do Cristo; portanto, não é anti-religiosa."

Da Revista Espírita, 1860: "Com efeito, o Espiritismo se apóia essencialmente sobre o Cristianismo; não vem substituí-lo, completa-o e veste-o com uma roupa brilhante."

Da Revista Espírita, 1861: "O Espiritismo, ao contrário, nada tem a destruir, porque se assenta sobre as próprias bases do cristianismo; sobre o Evangelho, do qual não é senão a aplicação. Concebeis a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, assim como alguns o pretendem, sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma denominação que se formas às expensas de suas irmãs mais velhas: é uma doutrina puramente moral que não se ocupa, de nenhum modo, dos dogmas e deixa a cada um inteira liberdade de suas crenças, uma vez que não se impõe a ninguém".

Da Revista Espírita, 1861: "Traçamos, em O Livro dos Médiuns (nº 28, o caráter das principais variedades de Espíritas; sendo essa distinção importante para o assunto que nos ocupa, cremos dever lembrá-la. § Podem-se colocar em primeira linha aqueles que crêem, pura e simplesmente, nas manifestações. O Espiritismo não é para eles senão uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos; a filosofia e a moral são acessórios, dos quais pouco se preocupam, ou dos quais não supõem a importância. Nós os chamamos Espíritas experimentadores. § Vêm em seguida aqueles que vêem no Espiritismo outra coisa senão os fatos; compreende-lhe a importância filosófica; admiram a moral que dele decorre, mas não a praticam; extasiam-se diante de belas comunicações, como diante de um eloqüente sermão que se escuta sem aproveitá-lo. Sua influência sobre seu caráter é insignificante ou nula; não mudam nada em seus hábitos e não se privariam de um único gozo: o avarento é sempre sovina, o orgulhoso sempre cheio de si mesmo, o invejoso e o ciumento sempre hostis; para eles a caridade cristã não é senão uma bela máxima, e os bens deste mundo dominam, em sua estima, sobre os futuro: esses são os espíritas imperfeitos. § Ao lado daqueles há outros, mais numerosos do que se crê, que não se limitam a admirar a moral espírita, mas que a praticam e lhe aceitam, por si mesmos, todas as conseqüências. Convencidos de que a existência terrestre é uma prova passageira, tratam de aproveitar seus curtos instantes para caminhar na senda do progresso, esforçando-se por fazer o bem e reprimir seus maus pendores; suas relações são sempre seguras, porque sua convicção os distancia de todo pensamento do mal. A caridade é, em todas as coisas, a regra de sua conduta; esses são os verdadeiros Espíritas, ou melhor, os ESPÍRITAS CRISTÃOS".

Fico por aqui, pois as referências são numerosas e o que foi mostrado acima penso ser suficiente para sabermos o que pensava o Codificador a respeito do assunto.

E quanto ao Sr. Imbassahy, será que ele discordava disso?

Já conhecemos a imprecisão da conclusão atribuída à sua frase. Agora veremos o que ele nos diz, explicitamente, sobre isso. No livro "RELIGIÃO", de sua autoria, FEB, 3ª edição, podemos encontrar as respostas:

"Esse que assim escreve, esse crente em Cristo, diante dessa mensagem, como lhe chama, está com o coração aberto para todas as criaturas. Fala por ele o sentimento do amor divino. Convida todos os povos para verem o Cristo, para sentirem o Cristo, e sentir o Cristo é ter a alma voltada para os sentimentos da solidariedade, em toda a sua máxima amplitude". § "Não é outro o apelo do Espiritismo". pág. 52

"Ainda, pela cartilha, professar a religião cristã é admitir a doutrina, os ensinos de Nosso Senhor Jesus-Cristo". § "Outra coisa não fazem os espiritistas, em matéria doutrinária, que não seja admitir os ensinos do Cristo, nosso Mestre". § Entre os livros básicos da codificação cardeciana se encontram os Evangelhos do Senhor. A Federação Espírita Brasileira inscreveu, entre os princípios que formulou e que foram unanimente aprovados pelas Sociedades que lhe são adesas, o de que não há Espiritismo sem Evangelho. Estabeleceu, ainda, que o Espiritismo é o Cristianismo, e no frontispício de sua revista se encontra a declaração de que ela é órgão religioso de Espiritismo cristão". § Aliás, se nos fosse dado formular o voto, diríamos que o Espiritismo reúne, sintetiza, condensa e interpreta os magnos princípios de todas as religiões, de que o Cristianismo é a suprema expressão". pág. 92

Penso que já temos informações suficientes para sabermos o que pensa esse notável escritor e quiçá, insuperável polemista. Apenas para constar, somente neste livro ele refutou diversos teólogos, e é quase certo que deste livro nossos críticos, pouco informados, conhecem apenas aquele parágrafo, por assim constar em artigos anti-espíritas. Muito provavelmente, os que fazem uso dessa frase não prestaram atenção e não abriram o livro citado. Nem ao menos perceberam o erro de interpretação.

Aproveitando o ensejo, devo dizer foi graças a esse tipo de argumento que eu tive acesso a este livro, antes mesmo de ser espírita, e após investigá-lo posso dizer com certeza que este livro foi um dos que causaram maior impacto na minha transição do Protestantismo ao Espiritismo.

Alguns dizem que é feio a um espírita se declarar cristão. Feio não é isso. Feio é julgar e criticar alguma coisa sem conhecê-la, sem ao menos tê-la investigado e estudado na fonte, pois como diz um velho ditado, “é na fonte que as águas são mais puras”.

Chegou o momento de finalizar essa breve análise, sugiro fortemente aos leitores, especialmente os que já se depararam com essa citação em artigos anti-espíritas, que leiam essa obra magnífica e reveladora, preparada em resposta aos que preferem estar "À Margem do Espiritismo".


Maurício C.P.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

7 perguntas implacáveis



Saul, Samuel e a pitonisa
Aos que crêem que Saul não conversou com Samuel
.... segundo a Bíblia!!


PRELIMINARES. Essas perguntas gravitam em torno do episódio narrado em I Samuel 28, protagonizado por Saul (vivo) e Samuel (morto), que conversaram entre si através da pitonisa. Elas se destinam ao público fundamentalista que defende a “inerrância” ou “infalibilidade” ou “inspiração divina integral” das escrituras, mas que, ao mesmo tempo, negam essa mesma autoridade nesse ponto. Vamos a elas:

1. Segundo a Bíblia, quem tinha morrido antes da consulta de Saul?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: E Samuel já estava morto, e todo o Israel o tinha chorado, e o tinha sepultado em Ramá, que era a sua cidade; e Saul tinha desterrado os adivinhos e os encantadores. (1Sm 28,3).

2. Segundo a Bíblia, com quem Saul queria falar?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: A mulher então lhe disse: A quem te farei subir? E disse ele: Faze-me subir a Samuel. (1Sm 28,11).

3. Segundo a Bíblia, quem apareceu para a mulher?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: Vendo, pois, a mulher a Samuel, gritou com alta voz, e falou a Saul, dizendo: Por que me tens enganado? Pois tu mesmo és Saul. (1Sm 28,12).

4. Segundo a Bíblia, após que momento Saul entendeu que se tratava de Samuel?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: E lhe disse: Como é a sua figura? E disse ela: Vem subindo um homem ancião, e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel, inclinou-se com o rosto em terra, e se prostrou. (1Sm 28,14).

5. Segundo a Bíblia, foi o demônio que falou com Saul?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: Samuel disse a Saul: Por que me inquietaste, fazendo-me subir? (1Sm 28,15).

6. Segundo a Bíblia, foi o demônio que repreendeu Saul?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: Então disse Samuel: Por que, pois, me perguntas a mim, visto que o SENHOR te tem desamparado, e se tem feito teu inimigo? (1Sm 28,16).

7. Segundo a Bíblia, a palavra de quem fez Saul temer e cair por terra?

SUGESTÃO DE RESPOSTA: E imediatamente Saul caiu estendido por terra, e grandemente temeu por causa daquelas palavras de Samuel; e não houve força nele; porque não tinha comido pão todo aquele dia e toda aquela noite. (1Sm 28,20).


Alguns pontos a considerar:

1. Se a Bíblia é infalível, não pode conter falhas.
2. Se a Bíblia está errada neste ponto, pode estar em muitos outros.
3. Se a Bíblia não é aceita neste ponto, é porque só aceitam dela o que convém.
4. Se a Bíblia só deve ser aceita quando convém, nenhum dos que praticam isso tem moral para cobrar ou acusar qualquer outro de coisa parecida.

Finalmente, estando certa ou errada, e até que alguém nos apresente melhores sugestões do que as apontadas para as perguntas acima, a Bíblia é muito clara e taxativa ao mostrar, por este episódio, que os mortos estão muito conscientes, podendo inclusive se comunicarem com os vivos, mesmo que para repreendê-los, quando para isso houver ocasião propícia.



Maurício C.P.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Eclesiastes e o aniquilamento

Segundo os aniquilacionistas, Eclesiastes seria um texto legítimo para retratar o estado do homem na morte. Se tomado ao pé da letra, ele retrata um estado de total inconsciência e inatividade na morte. O verso 5 é dos primeiros que surgem, sempre que debatemos com um aniquilacionista.

Vejamos o que diz o texto, sem desprezarmos seu devido contexto:

Eclesiastes 9:5,6
5 - Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, mas a sua memória fica entregue ao esquecimento.

6 - Também o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram, e já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol.

Observemos que a passagem nega não somente a consciência na morte, mas toda e qualquer possibilidade de uma vida futura. A primeira parte diz que “os mortos não sabem coisa nenhuma”, mas a restante também diz que “nem tampouco terão eles recompensa”, e “já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol”, do que se conclui que, se a primeira parte prova a inconsciência na morte, então, de igual modo, para sermos coerentes, a segunda parte provaria também que inexiste qualquer hipótese de ressurreição ou recompensa futura para os mortos.

O texto revela total inconsciência na morte e a impossibilidade de qualquer recompensa "debaixo do sol", porque "o seu amor, o seu ódio, e a sua inveja já pereceram", daí porque "não terão eles jamais recompensa".

Isso é inconsciência e inexistência. Não há possibilidade de vida futura, nem de recompensas. O trecho "coisa alguma" também exclui as recompensas.

Acima estão as consequências da postura aniquilacionista. Agora, vou colocar o entendimento que por motivos óbvios, entendo ser mais aceitável sobre o texto. Esse entendimento se baseia na reflexão de uma amiga que é formada em teologia. Segundo ela, há um período na vida de Salomão em que ele se encontrava desiludido, enfraquecido na fé e até um tanto afastado de Deus. Todo o começo de Eclesiastes, até pelo menos o décimo capítulo, estaria evidenciando esta situação. Nota-se num estudo apurado deste livro, a recuperação espiritual e emocional de Salomão, quando suas revelações passam de pessoais e amarguradas para espirituais e divinas, mudando totalmente sua posição em relação às afirmações feitas acima:

Eclesiastes 12:7 “E o corpo volta para a terra como o era, e o espírito sobe para Deus, que o deu”.

Diante da reflexão acima, essa posição é a única que considero aceitável até o momento. Não há como chegar a outra conclusão senão que essa passagem não serve de suporte à doutrina do aniquilamento ou do "sono da alma".



Maurício C.P.