quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Imbassahy e o Cristianismo

Na categoria de críticos do Espiritismo, há os que não escondem o seu odium theologicum e adoram recorrer a uma conhecida frase do saudoso polemista e autor espírita Carlos Imbassahy. Vejamos abaixo:

"O Espiritismo não é um ramo do Cristianismo como as demais seitas cristãs. Não assenta seus princípios nas Escrituras... a nossa base é o ensino dos espíritos, daí o nome - Espiritismo" (À Margem do Espiritismo, p. 126).

De acordo com esses críticos, o autor citado seria uma espécie de “espírita coerente”, ao contrário de outros, por admitir que o Espiritismo não é Cristão por não ser um ramo deste e não se basear nas Escrituras. Mas se observarmos com um pouco de atenção, veremos o contrário desta idéia. Em primeiro lugar, ao comparar o Espiritismo com as “demais seitas cristãs”, ele admite tacitamente que o primeiro também seja uma seita cristã. Em segundo lugar, também fica implícito que para ser considerado “seita cristã”, não é preciso assentar os seus princípios nas Escrituras. Isso justifica por que o Espiritismo não é como as demais. Ele tem um diferencial, e este diferencial está em sua abordagem das Escrituras. Mas para ser cristão, o ensino dos espíritos não precisa necessariamente ser cristão? É claro que sim. Resta-nos saber se o autor supracitado também pensa assim, e se isso está de acordo com os parâmetros da Codificação. Vejamos se assim procede. Para isso, vamos colher a opinião do Imbassahy e do Codificador do Espiritismo, Allan Kardec.

Já que o objetivo de nossos críticos, ao citar a frase, está centrado na opinião de um autor espírita, nada melhor do que saber o que eles pensam sobre isso. Vamos à pergunta básica.

Segundo Kardec, é cristão o "ensino dos espíritos"?
As respostas estão abaixo: (os destaques são meus)

Da Revista Espírita, 1858: "O ensino dos Espíritos é eminentemente cristão; apóia-se sobre a imortalidade da alma, as penas e as recompensas futuras, o livre arbítrio do homem, a moral do Cristo; portanto, não é anti-religiosa."

Da Revista Espírita, 1860: "Com efeito, o Espiritismo se apóia essencialmente sobre o Cristianismo; não vem substituí-lo, completa-o e veste-o com uma roupa brilhante."

Da Revista Espírita, 1861: "O Espiritismo, ao contrário, nada tem a destruir, porque se assenta sobre as próprias bases do cristianismo; sobre o Evangelho, do qual não é senão a aplicação. Concebeis a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, assim como alguns o pretendem, sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma denominação que se formas às expensas de suas irmãs mais velhas: é uma doutrina puramente moral que não se ocupa, de nenhum modo, dos dogmas e deixa a cada um inteira liberdade de suas crenças, uma vez que não se impõe a ninguém".

Da Revista Espírita, 1861: "Traçamos, em O Livro dos Médiuns (nº 28, o caráter das principais variedades de Espíritas; sendo essa distinção importante para o assunto que nos ocupa, cremos dever lembrá-la. § Podem-se colocar em primeira linha aqueles que crêem, pura e simplesmente, nas manifestações. O Espiritismo não é para eles senão uma ciência de observação, uma série de fatos mais ou menos curiosos; a filosofia e a moral são acessórios, dos quais pouco se preocupam, ou dos quais não supõem a importância. Nós os chamamos Espíritas experimentadores. § Vêm em seguida aqueles que vêem no Espiritismo outra coisa senão os fatos; compreende-lhe a importância filosófica; admiram a moral que dele decorre, mas não a praticam; extasiam-se diante de belas comunicações, como diante de um eloqüente sermão que se escuta sem aproveitá-lo. Sua influência sobre seu caráter é insignificante ou nula; não mudam nada em seus hábitos e não se privariam de um único gozo: o avarento é sempre sovina, o orgulhoso sempre cheio de si mesmo, o invejoso e o ciumento sempre hostis; para eles a caridade cristã não é senão uma bela máxima, e os bens deste mundo dominam, em sua estima, sobre os futuro: esses são os espíritas imperfeitos. § Ao lado daqueles há outros, mais numerosos do que se crê, que não se limitam a admirar a moral espírita, mas que a praticam e lhe aceitam, por si mesmos, todas as conseqüências. Convencidos de que a existência terrestre é uma prova passageira, tratam de aproveitar seus curtos instantes para caminhar na senda do progresso, esforçando-se por fazer o bem e reprimir seus maus pendores; suas relações são sempre seguras, porque sua convicção os distancia de todo pensamento do mal. A caridade é, em todas as coisas, a regra de sua conduta; esses são os verdadeiros Espíritas, ou melhor, os ESPÍRITAS CRISTÃOS".

Fico por aqui, pois as referências são numerosas e o que foi mostrado acima penso ser suficiente para sabermos o que pensava o Codificador a respeito do assunto.

E quanto ao Sr. Imbassahy, será que ele discordava disso?

Já conhecemos a imprecisão da conclusão atribuída à sua frase. Agora veremos o que ele nos diz, explicitamente, sobre isso. No livro "RELIGIÃO", de sua autoria, FEB, 3ª edição, podemos encontrar as respostas:

"Esse que assim escreve, esse crente em Cristo, diante dessa mensagem, como lhe chama, está com o coração aberto para todas as criaturas. Fala por ele o sentimento do amor divino. Convida todos os povos para verem o Cristo, para sentirem o Cristo, e sentir o Cristo é ter a alma voltada para os sentimentos da solidariedade, em toda a sua máxima amplitude". § "Não é outro o apelo do Espiritismo". pág. 52

"Ainda, pela cartilha, professar a religião cristã é admitir a doutrina, os ensinos de Nosso Senhor Jesus-Cristo". § "Outra coisa não fazem os espiritistas, em matéria doutrinária, que não seja admitir os ensinos do Cristo, nosso Mestre". § Entre os livros básicos da codificação cardeciana se encontram os Evangelhos do Senhor. A Federação Espírita Brasileira inscreveu, entre os princípios que formulou e que foram unanimente aprovados pelas Sociedades que lhe são adesas, o de que não há Espiritismo sem Evangelho. Estabeleceu, ainda, que o Espiritismo é o Cristianismo, e no frontispício de sua revista se encontra a declaração de que ela é órgão religioso de Espiritismo cristão". § Aliás, se nos fosse dado formular o voto, diríamos que o Espiritismo reúne, sintetiza, condensa e interpreta os magnos princípios de todas as religiões, de que o Cristianismo é a suprema expressão". pág. 92

Penso que já temos informações suficientes para sabermos o que pensa esse notável escritor e quiçá, insuperável polemista. Apenas para constar, somente neste livro ele refutou diversos teólogos, e é quase certo que deste livro nossos críticos, pouco informados, conhecem apenas aquele parágrafo, por assim constar em artigos anti-espíritas. Muito provavelmente, os que fazem uso dessa frase não prestaram atenção e não abriram o livro citado. Nem ao menos perceberam o erro de interpretação.

Aproveitando o ensejo, devo dizer foi graças a esse tipo de argumento que eu tive acesso a este livro, antes mesmo de ser espírita, e após investigá-lo posso dizer com certeza que este livro foi um dos que causaram maior impacto na minha transição do Protestantismo ao Espiritismo.

Alguns dizem que é feio a um espírita se declarar cristão. Feio não é isso. Feio é julgar e criticar alguma coisa sem conhecê-la, sem ao menos tê-la investigado e estudado na fonte, pois como diz um velho ditado, “é na fonte que as águas são mais puras”.

Chegou o momento de finalizar essa breve análise, sugiro fortemente aos leitores, especialmente os que já se depararam com essa citação em artigos anti-espíritas, que leiam essa obra magnífica e reveladora, preparada em resposta aos que preferem estar "À Margem do Espiritismo".


Maurício C.P.